Sabe a Gosto...


Estou triste, como austero o dia e eu
Condenado a um sentimento sem nome,
Semelhante ao gelo na voz que um dia m’emudeceu,
Cativo d’uma angústia atroz que consome

Até o mais empedernido dos mortais.
Vou fingir que durmo, enquanto a tortura
Dura e morder nos lábios os meus ais.
Vou apertar o coração até que seque e morra,

Soubesse este não acordar de novo e vivo
Vandalizaria o jazigo ao demónio, já hoje
E queimava os versos do arquivo e calava a boca ao povo
E apagava da lápide a raça, do dito cujo,

Não fosse o uivo ser lembrado ou eu lembrar-me
E me tome por obra sua, prestamista
Duma alma que por acaso já tivesse o seu nome,
Não sendo eu, que o diabo me possua na pérfida lista.

Estou triste, tão triste que o frio me guia
Os dedos na direcção da neve nua e fria
Mas ver nuvens -travesseiro suave- d’algodão
Doce é algo que me sabe a seda,a Gosto e a verão…

Jorge Santos (02/2013)

(Na hora mais despida)


Que seja eu, os meus pedaços
E todas as mãos que me lerem,
Espiem meus passos, sejam laços
Juntados, pontas que estes não têm,
E os nós destes,

O decotado perfil, do que nem creio,
Sem a verdade p’lo meio, espécie d’enleio
Da imaginação febril que odeio,
O indício irrefutável que m'alia ao alheio,
Nós da voz, súbdito da gaguez.

Que seja eu ,os meus pedaços,
Nos bosques espalhados, aos lobos
Porque são versos, porque não versos?
Alguém reclamou achá-los?
Rodos de chavões,

Para meninos do coro,
Quero o prémio do efémero ,
O murmúrio crível e caseiro,
O lado de lá do futuro, quero
Que seja eu, aquele quem mais conheceis,

Que seja eu, os meus pedaços,
Os espaços entre os demais astros,
O palco e os beiços dos palhaços,
Que sejam meus, os despidos abraços,
Que vos deixo em confissões…

(Na hora mais despida)

Jorge Santos (02/2013)

O céu está a cair...


Os pássaros do precipício,
Cantam de cabeça pra baixo,
Também por fora deste edifício,
O meu coração perplexo,

Olha o chão do bairro, p’lo alto,
E vê pouso fixo,
Na certeza do extremo salto,
Encontrar um eixo,

Que lhe voe a alma, mas a sério.
Aprendeu com as aves
Do abismo, o vício
Da vertigem e dos ares,

Porquanto houver,
Um mastro ou parapeito,
Numa janela qualquer,
E no peito,

Um coração determinado,
Pra saltar,
Não estará o sonho, acabado
Em terra firme, ou no ar.

O que fiz pra que acabasse,
Essa espera do voo extremo!?… fiz
Simplesmente, o céu abater-se,
Cá em baixo, sobre mim...

Jorge Santos (02/2013)

Permitais-me ser Triste...


Permitais-me que silencie o contentamento
No rosto, se hoje me acenavam 
Ainda, foi por bondade ou o oposto,
Pois sorrisos bons, nessas bocas não moram,

Deixai-me, pra que morra,
Sem saudade nem lembrança,
Porque se, a esperança ainda aqui se demora,
Vai abandonar por certo, esta minha praça,

Fico grato a quem me conheceu,
Mesmo que não tenha visto as minhas gotas
De lágrimas, como eu as sinto, caídas do céu,
Que não posso descreve-las, de tão belas…

Nunca fui hábil, na arte de amar o vizinho,
Nem noutra qualquer arte,
Deixai vir a morte, de mansinho,
Pra que também esta, não me “tome de parte”,

Permitais-me que, seja o mais triste,
Que o silêncio consente,
Porque, se viver é um “estado de graça”,
Em cada dia que passa,

Agradeço a Deus, o aval concedido,
Mas deixai-me por favor, ficar calado,
Apreciando a sorte,
De poder ser triste sendo contente…

Jorge Santos (02/2013)

Grande é o Panteão dos meus...


-Fui dentro de mim entrando, entrei
E vi vestígios do que se já viu
Vi um céu interior e brando, bradei
Aos meus, no brado que se me partiu,

A um sol redondo e a um silêncio estival,
-Ai daquele qu’en seu sonho traga
Desertas preces e marés dest’areal
-Ai daquele qu’en s’us olhos s’afoga,

Ou é um homem de vime envolto
Ou mora junto ao sal da margem
-Há um mar no avesso e um quarto,
Cansados de tanto esperarem,

-Fui dentro deles, escondido                                 
E vi vestígios do que fui e possuí
Antes, sob a tutela do cedo…
Meu coração possuído já não possui,

-Agora carrego, esteiras alheias
E sombras por habituação
Enredo-me nas fantásticas salas
Que, por não serem, minhas são…

(Grandes são, de Deus as casas,
Grande é o Panteão dos meus)


Jorge Santos (02/2013)

tradutor

center>

Arquivo do blogue