Morcegario



O Morcegario




Como descrer das fabulosas noites

A destapar céus, vestidos negros
Cravados a buracos de alfinetes
Sem neles mesmo admitir prodígios!?

Como descrever, aos olhos de cegos,
Simples silvos, inventados nas foices
De mil acompanhantes de Demónios,
Sedentos, em tectos e estalactites.

E… agoiro d’ meus últimos sonhos,
Ouço gritos em morcegarios imensos
Ajoujados em velhas tradições

Nem resisto, saem-me dos pulmões
Feridos catadupas de maldições,
De vultos Negros e bandos de Morcegos. 

Joel Matos
(2010/02)

Causas Presas (Free Tibet)


Asas d’vento


As minhas asas são das penas mortas
Nos cachuchos e acenam nos varais
Que me lembram derradeiras roupas
Secas aos ventos, esperando temporais

Mas as minhas asas não entram no vento,
E sonho é meu, o de virar vendaval e entrar,
De rompante, pelas plumas destas adentro,
Ir e não parar, mas fico na sala-de-estar,


Assim, num golpe de desalento, calado,
Para aí, todo-o-dia morar, tudo quieto.


Jorge Manuel M. Santos
(06/2009)
Http://namastibet.blogspot.com

HOrus


O olho de HOrus

Florença, quente e húmido fim de tarde, quase noite, Nas mãos delas, unhas rebeldes em luz fosca de velas, circulava e rodopiavam, dir-se-iam de plantão plantadas em rua vilã ou viela apagada e soturna, as muitas videntes, novas e velhas.
À volta de bolhas de cristais translúcidos, mariposas esvoaçam enquanto sons abafados intangíveis criavam uma atmosfera densa, fragial no ritual das videntes da Florença fim de tarde, sentia-se em casa e avança, por entre aquela multidão que dança em rodas de bruxas, feiticeiras, alguns turistas e carteiristas ítalos, caminha alheio e defronte dele abre-se a porta da catedral renascentista da cidade, convida-o um monge tapado a preceito a entrar, ele olha para trás sobre os ombros ainda o monge não se tivesse enganado e pergunta-lhe sussurrando:
- quem? Io?
O monge baixa ligeiramente a cabeça em sinal afirmativo.
Os passos ecoam na Basílica, o esvoaçar de uma coruja perto do altar e a luz ambígua e pouca que se esgueira pelos vitrais penetram fundo no espírito de Joel, como se aquele segundo tivesse sido congelado para jamais o abandonar e o perseguisse futuramente fosse para onde fosse na demanda mística que se propusera.
Aquele segundo tinha-o visto de soslaio nas auras de cristal da rua das videntes.
Provavelmente Joel nunca sentira calafrio tão intenso percorrer todo o corpo e fixar-se no fundo das costas, entrara numa imensa galeria de estantes com pergaminhos e escritos antigos, um escrito em hebraico chamou-lhe a atenção, o título “
עינו של אלוהים” (O olho de Deus), exactamente aquele que o monge retirou cuidadosamente e pousou sobre a grande mesa que compunha todo o centro da sala.
Retirou-se lentamente e em silêncio como tinha entrado deixando Joel só na enorme galeria.
Durante o percurso que realizara na Peregrinação a Santiago de Compostela mencionava-o em registos murais e frisos das muitas igrejas mas duvidara da autenticidade do códice, agora tinha-o ali iluminado pela luz vagabunda dos vitrais da catedral.
Símbolos e mais símbolos afluíam aos olhos espantados de Joel, esperava encontrar uma nova definição para a luz e renascia o interesse pelas transcrições que o seu pai anotara décadas antes num velho bloco, só faltava mesmo era dar sentido a todos aqueles gatafunhos.
Agora o céu era maior, caminhava desde muito cedo num descampado tingido com os primeiros laivos da madrugada, desde que partira há quatro dias de S.Jean Pied de Port , subindo as encostas íngremes dos Pirenéus até aqui a Atapuerca atravessara vários tipos de paisagem, vinhas recém-vindimadas ,Carvalhais anãos ,cidades grandes e lugarejos com apenas algumas casas pobres , encontrava-se finalmente no reino das pedras ,no mais antigo domínio que o homem tinha gerado e também o mais inextinguível, magnífico  senhor das pedras sentia-se ao calcorrear aquele descampado ,para outros simples calhaus mas para Joel tinham um significado bem mais lapidado, os requintes estavam nas pedras milenares desquinadas pelos pés de quem usufruíra do caminho.
 Acossava-o um apetite matinal que o levou a entrar numa taberna a beira da calçada velha, foi servido de pão muito escuros e um copo largo de leite amável pelo sorriso largo de Maria da Luz, (disse-lho detrás do balcão como se fosse o nome mais original do mundo), no olhar encerrava sigilos e os silêncios das sendas, apenas esperara décadas de sorrisos e generosidades servidas com intimidade para revelar finalmente fábulas com pronúncias coincidentes.
O espanto revela-se como numa pedra da roseta nas simbologias que se escondiam nas brochuras amarelecidas, Maria não tinha uma cultura extravasante mas sabia o som dos silêncios e dos sussurros do vento em árvores e caminhares de miles de anos, o mesmo som abafado da rua das videntes de Florença, exactamente os mesmos cheiros e sigilos. Fez-se um silêncio de cera, os conceitos escondidos nos pergaminhos tinham os mesmos prenúncios, dir-se-iam entoados por todas as fecundadas em unanimidade.
Deixou de relacionar os caminhos cruzados nas terras dos “Vera cruz” ou a Itália do renascimento dos senhorios mas com, simplesmente “Maria da Luz”, com o nascimento do Homem perante o Olhar de Deus, a senda da Luz.
Nos apontamentos do pai o triângulo equilátero sediava o suposto olho de horus e a luz expandia-se de um ponto, algures no que lhe parecia um cabo, no fim da terra, mas era uma Luz feminina que ele pressentia, ao contrário de seu pai que sempre julgou ver Deus um homem imaculado em letra Musculada.
  A Cidade de Burgos, sentada no fundo do vale, presenteia-se sóbria, com excepção da Catedral de pedra clara, símbolo da riqueza cultivada nas colinas adjacentes
  O albergue, minúsculo, situava-se no interior duma capela junto ao centro de Burgos, junto à porta já se acotovelavam alguns peregrinos, no interior decorria uma missa, Joel espreitou pela porta entreaberta, aproximou-se e tentou entender o cochichar de dois encapuzados atrás do altar mas estas falas não figuravam nos idiomas que conhecia, de novo o mesmo sentimento de sigilo no vociferado  secreto do sacerdote .
Encimando o púlpito, o mesmo códice, notava-o pelo símbolo cravado em forma de 3 invertido, aparentava os alfarrabios que sem dúvida lhe perseguiam a existência nos últimos anos, no longo caminho desde Jerusalém, passando por Florença e Bruges.
Abismado pelas coincidências deixa-se ficar sentado, pensabundo, no banco do jardim contíguo á enorme catedral, formações de pombos esvoaçam perseguidos por alguns corvos negros que se encarrapitam nos minareis dos altos edifícios causticando com os ralhos os transeuntes alvorecidos e raros daquela manhã dominical.
Poucas porções do seu corpo se encontravam tapadas, a roupa já muito rasgada evidenciava os maus tratos sucessivos infligidos pelas longas caminhadas, pela inclemência do tempo, mas encontrava-se lúcido e sábio como um cão vadio coberto de escaras.
O percurso continuaria por Leon, já mais plano e Samos, (uma outra e mais curta serrania), encontraria porventura as reacções que nestes longos minutos sentados no jardim o pareciam abandonar. Recordou as palavras inesperadas de um monge, em Lhasa transcrevendo um discurso de Budda, proferido sob a enorme figueira,

Esta, oh monges, é a Nobre Verdade do Caminho que Conduz à Cessação do Sofrimento. Simplesmente este Óctuplo Nobre Caminho; ou seja, Recto Entendimento, Recto Pensamento, Recta Linguagem, Recta Acção, Recta Vida, recto Esforço, Recta Atenção e Recta Concentração.”

continua...

Vega



Não, não digas nada irmã já seca e
Nega o que de facto possa ser falácia
Em surdina e antes que se veja cega e
Vesga, a noite, Não se dê depressa ocaso

E seja tarde para bocas esfaimadas
E coros de lémures desbragados 
E se estendam, amortalhados de tudo e nadas
De maus presságios e símbolos estafados.

Dorme, velada por Centauro e teu dote
Lembra, Tenho teus regatos bem guardados.
Labregos, os sensos que de mim, sendo íntimos,
Em ti, os deposito como testemunho, inerte.  

Responde, se tuas são, como colheita,
As almas em guerra, os oráculos e machados
E os Homens que por ti navegam, desterrados
E em vão buscam noutra Terra, esta que os deserdou?

Mas, na rampa da campa deste insano funeral,
Muda, continuas Vega, na noite e no vasto espaço,
Madraço e imposto do tempo raso, terminal,
Básico e humano se sórdido e baço.

É tudo, em tudo dúvidas e desculpas
E, perdido num sonho de brumas, esconjuro
E Partilho os últimos suspiros das naturezas mortas.


Jorge Manuel M. Santos
(02/2010)

(a monte)


                                                                                                                                                             
Abarrota o meu peito, num campo claro,
O cheiro dos fenos, todo me rendo, aos montes
Subindo as colinas, bebendo em renascidas fontes.
No canto d’este olho, uma lágrima d’avaro,



Tal regato de Agua, preso á cintura, trago
Saudoso e oiço flautas, apenas, segredar
Silêncios intensos, nas palavras de ar,
Que me inundam e alargam o fôlego,  


Nesta erva viçosa, que me solta e prende,
Dispo-me de conceitos e finjo dela fazer parte,
E já não sou eu quem foge, sou levado
A monte, Carpindo fogo e suor, suave e cálido,


Sou a montanha que me foge, na tarde.


Jorge Manuel Mendes Dos Santos
(2010/01)


“ Homem Fronha ”

Mais coisas há “do que eu quero ouvir”
Em toalhas de papel d’almoços ou cotos
De grandes D’outos julgando-se de grãos-vizir
Gordos, tufados nas nádegas e tais novos


Ricos e ditos sufragados no usufruir.
O pensamento não sobrevive lavado,
Estagia, nas cubas da’ira. Por seu lado,
O homem fronha, já está “matado” no dormir


Sem ira, sem emoção...


Já mordemos palavras, “revoltas”, pelas ruas
Muralhas, agora nos silêncios deslavados,
Vagos, crescem as prisões, como veias,
Pulsam as Interrogações, “-onde falhámos?”


Já gastámos as ânsias, meias paredes
Entre as demências e as ideologias,
Nada sobrou das orgias inteligentes
E das utopias lançadas das ameias.


Restam coisas madrastas, sem ira, sem emoção…
“Homens Fronha, todos nós, incapazes de dizer NÃO



JORGE MANUEL MENDES DOS SANTOS
(01/2010)                                                                                                                                          

"O ser que sei não sou"




Tanto e tanto do que sei,
Sei-o - nem como nem sei -
Do ser que sou e prevejo,
D’um vulgo e curto bocejo,
No ser fiel de mim mesmo,
Não no eu e que escrevo,
Se de meu não suporto,
Certo enigma do desejo.

Tanto e tanto do que sei,
Sonha com o pior vento,
E causa de tudo q’temo,
Ser narrado, a propósito,
Do’eu ter fome no infinito,
Seja vencedor, ou vencido
Nos planos da derrota.

Tanto e tanto do que sei,
Foi ser, do medo, carcereiro,
Quando m’sonhei infanto,
Encarnando o ponto q’traço,
Mas, sendo curto, o braço,
E o seixo, pesado, nã’não sei
Se vida, é ilusão ou, se sonhei
Eu, mais uma vez, acordado.


Jorge Santos

Luto



Já gastámos as palavras pelas ruas
Muradas, os silêncios deixados
Vagos, crescem paredes meias
Com a Interrogação, onde errámos!?

Já gastámos a ânsia e a demência
Não sobrou nada...


Jorge Santos 

(Os Míseros não Têm Mando)






















Na Pascoa, a morte do Cristo.
Tenho penas, se não suporto
Ter, da ruim, a culpa e, s’isto
É por si, frágil, não respondo
Nem ao Outro,“de ar divino”.



Vis, estes sacros sacrilégios,
Se mal penso no Ser que enfrento,
Inocentes  nus, sacrifícios
Para uns, erros crassos,d’outros,
(Os míseros não têm mando)
Aqui quem julga, é juiz eterno.
De seu mandato, soberano.



Ah, deixem-me dormir a sonhar,
Não me mintam ou me lembrem,
Se não me quero, d’Ele lembrar,
Quero eu, que outros nem’lembrem,
Nos sonhos, de me vir acordar,
En'vestidos da santa Sé, também.



Joel Matos
(2010/01)

Da paixão


Vós, senhoras todas, que entendeis do amor,
Dizei-me, se o tenho eu, no coração,
Se tão distante, é da razão, esta dor
Sentida  fundo, se inspirada desse não.


Senhoras, vós todas, que  da dita entendeis,
S’a vires, dizei s’dela tem a tal gémea,
Que tanto s'fala e sonho, em noites tais,
Ou é mito, apenas  d’meu Lado fêmea.


Será errado, em todas vós, achar beleza,
Não send’a tela dono, nem mestre pintor,
Todas invento, sob leve penugem, a fresa,
No toque, na cor e em meus olhos, sem pudor.



Vós, senhoras todas, que entendeis do amor,
Perdoai , por assim declarar-me , d’paixão,
E , Se culpa for d’alguém, seja d’Ele, Criador
Do belo d'olhar e coração d'est'artesão.


JOEL MATOS
(2010/01)

Tempo Cego


Sinais do tempo


Um Sinal do Tempo sentia,
Na página fim, de lés a lés,
Cerrada , a noite, mas lia,
Cego, página a página,
Talvez na luz, que m’ilumina,
No rosto e , ao cego, que lê,
Quem, não sei ao cert'o 
Seu nom’meu, seu fogo posto,
Num corpo, deitado no lixo,
Mas, não era uma vela, 
Que o guiava a ele, Era
Um sismo, abismo, por sinal
Um vento, um final de rua,
Na palavra, Talvez mesmo, o 
TEMPO. Por isso, eu corria, 
Pela pagina fim, adentro,
E , procurando fugir , dele,
Do tempo , q' aí vem , cego.
































Jorge Manuel Mendes Dos Santos
(2010/01)

Floresta de Sophya




Dentro , no terror  da noite, 



No raízedo d’meias coisas 
Atrás do latejo das veias
Não em redor mas d’entro
Transfiguro-me, não d’gente ,

Entro no luar , a sombra 
É ali , a minha alma alcatruzada 
Secreta , eriçada e negra
Quando  tocada nela 

E as árvores me despiram 
Os seus ramos me taparam
E da evitada floresta regresso


Dos sinais, quebrados em ecos



Que , dos silêncios todos , bebi.

Jorge Manuel Mendes dos Santos

(2010/01)

tradutor

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