Ou o mau barbeiro casado com a tesoura...




Criei um beco e multipliquei por três o incómodo
Vivo das expressões mais básicas do pensamento
E a renúncia não é mais que um omnipresente fardo.
Desloco-me constantemente ao quadrado, consinto

O exílio dentro destas quatro paredes. A súplica
Não é mais temível que a incerteza de um caco
Em voltar a ser vasilha ou calçada pública;
Consequentemente não reajo e aqui me fico,

Inconsciente ao facto de haver real vida lá fora.
Tenho um hábito que se pode considerar prazer,
Fingir não haver hoje, nem aqui nem agora,
Cansei-me de tudo, até de não entender

O gesto automático e uso a função de negar a tesoura
Como uma figura de estilo do que não quero ser,
Um lugar fracassado no deve e haver,
Ou o mau barbeiro casado com a censura. 

Jorge Santos (2012/11)

O infinito pode nem ser leal...



Amo o poente e o anoitecer, por não ver utilidade
Na noite velada pois em todas morro um pouco.
Amo o mito por ter rejeitado a verdade 
Como a água rejeitou o arrabalde árido e seco.

A luz ambígua do inverno vem sempre aliciar-me
Quando assoma, parece falsa, fictícia…sem importância.  
Mesmo fechando os olhos como que me consome e delicia
Como aconteceu ontem no areal da praia enorme,

(inda nem lhe dei nome , nem sei porque lá me demoro eu.)
Quando escuto com atenção o luar, soa-me uma melodia
Que me enche de inspiração e logo se preenche o céu
De lucidez, mas a minha estranha alma permanece vazia

(Parece um sol-pôr empunhado p’lo facho do tempo)
E crê enfim em quase tudo, até nos poentes gastos em que m’evado
E neste feudo d’alva espuma em rio estreito, encarnando
Num rosto vulgar a consciência dum tolo,

Sugiro vária vias a planos que depois não têm saída,
Para mim o sentido da vida é não ter de todo, complô comum
Entre o que aceito no fim da tarde e a palestra adiada:
-O infinito pode nem ser leal (um pouco como cada um)


Jorge Santos (Outubro 2012)
http://joel-matos.blogspot.com

O estado e a matéria...


Apaguei o tom de magia e talvez dom do bom senso
Quando vi todos os doutos, acotovelados na dorna d’uma má atriz..
Açoitado p’lo juíz, fiz figura do criado coxo de laço no pescoço,
Quando tentei subir ao palanque, surgiu a tal mesma variz

Do tempo ao qual fui colado, esguia e inchada… ao cair quase me ouço
Girar no fundo do poço, tão fundo ele soa e o som se escoa
Como se fosse areia fina numa cuba de zinco,
Fria como cota de aço, e sem os louros da grei por coroa.

Sinto-me tão realizado com uma embriaguez tal como do fracasso
Do qual não recobro. Estou acorrentado a um tal estado, bem enterrado na terra.
E retomo da morte, repleto de enxertias sonhadas nesta vida bera.
Entre o que sonhei e onde estou, perdeu-se a noção íntima de tempo e espaço,

Bem podia o jardim do éden ser no quintal da frente
Que aos meus olhos seria tão longe como o fim do vasto horizonte
Essa é uma das razões porque não espreito pelos buracos no muro,
O medo de me lembrarem águas passadas escombros do futuro…

Jorge Santos  (08/2012)
http://joel-matos.blogspot.com

Nas orações dos Homens de Jerusalém...




Uma noite fabricou Salomão um palácio
Resplandecente e em segredo.
Fez-se por todo o império
Silêncio e desde logo cedo

Ninguém teve alívio;
Até nos séculos vindouros,
Não mais nasceria ali, um veio
De água ou desaguaria nos rios,

Nada mais senão sangue e guerra.
Uma noite fabricou Salomão um palácio
E a dor nunca mais foi doutra era,
Menos estrangeiro ficou o receio,

De ser feliz naquela amarga terra.
Uma noite fabricou Salomão um palácio,
E tal foi o peso da bera amargura,  
Que ainda hoje têm um vazio,

As orações dos Homens em Jerusalém…

Jorge Santos (05/2012)

Quanto daria eu...




Quanto daria eu para me não separar
Do que afirmam ser desabitado ou de fraco esboço,
Quando durmo, tento não me esquecer disso,
Depois acordo, bem de manso e avanço

Não vá o dia novo findar, e por coima
Sucumbir mais como um tronco submisso (sem defesa) …
Quanto daria eu pra amotinar a ângula pedra  
E usa-la em seu egoístico propósito.

Quanto daria eu para ter um qualquer mérito 
De rei de paus, de bandeira um natural – Império,
Na algibeira, por capricho um pinheiro e o real tributo,
E não ter dessa estranha felicidade, um freio…

Quanto daria eu para não mesurarem o que faço ou penso
E não ter tatuado um rectângulo quadrado como outros afirmam ser
Habitual a pessoas normalizadas de cidade,
Não ouvir do que fala o zéfiro preso à calçada …

Assim, por vezes uso com esforço e da prudência
Duma linda e macia ameixeira de jardim, 
Cor de fogo, como braseira
Bastante para enfrentar uma noite fria,

Mesmo assim quanto daria eu, para que ela ouvisse,
O som dos seus outros pares nos montes,
E o voz dos pensamento das diversas flores,
Reprimidos vezes sem conta por cada raiz que cesse…


Jorge Santos (04/2012)

Bem’sei que a magia do fim dos oceanos mora no fundo dos meus olhos…




Sei bem que todas as águas vão parar ao fundo do oceano,
Porque não bailarei eu sobre a espuma dos mares da China,
Como uma nave de rolha, perdida ao sabor do vento morno,
Mas prenha, nas velas de pano, do sal dos mares de cima….

O meu corpo é um pego fundo, onde estrangeiras paixões nascem,
Quanto mais intensamente as sinto e mais de dentro
Do espírito vêm, mais vertiginosa se torna a viagem,
Mais intensos…os momentos, mais cheio…o mundo, mais claro…

Deixei-me zarpar incógnito num coração sem timoneiro,
Incólume e fresco com aragem na face, nu como nasceu,
Sem satisfação falsa, sou filho prodígio dum feiticeiro
Banhado por um rio, da mesma cor dum qualquer ardido céu,

Venho velejando, na volta do mundo, um esquálido navio,
E trago profunda, a minha alma cheia a espuma branda,
É tod’um mar de sal e vida que corre lá dentro, rio
Passageiro que sacrificaria em alguma simbólica enseada,

Será ele eternamente pó verde nas estrelas e no pensamento,
E uma vertigem azul dourada sobre leito de calhau e barro,
Mas se todo o resto será vestígio, permanecerá o olhar gravado no porto,
Ancoradouro em qu’inda moro e me demoro,

Bem’sei que a magia do fundo dos oceanos, mora no fim dos meus olhos…

Jorge Santos (03/2012)

Ao menos que sobre o antes.


Ao menos que sobre o antes,
Se a própria Terra ainda chora,
A má memória das suas gentes,
ao menos q’a minha fé nelas, não morra

Ao menos que só sobrasse o antes,
Porque manhã-cedo haverá guerra,
E acabemos por colher as únicas flores,
No morro ond’ausência de Deus já mora.

Ao menos que sobrasse do ontem…
A liquidez do dia, a noite anuncia mau tempo, vento,
Má sorte ao pobre que nem lar tem,
E um pote d’ouro, á porta do nobre convento.

Ao menos que sobrasse do ontem
Pão, quando não havia fome de trigo,
Agora as florestas entristecem,
Por não morrerem de pé e inclinarem cedo, ao machado.

Ao menos que sobrasse do inda’ontem,
O não haver medos.
Pois dos tempos qu’aí vêm,
Ecoam já os gemidos,

d’outros bem mais antigos.

Jorge Santos (02/2012)

Nem sei que vento torto eu ainda persigo...




A ideia de viajar seduz-me
Como um pecado,
Tenho os cheiros e sons a lembrarem-me
Em outro lado,

Como uma aragem fresca,
Que me invade quando penso
E é então que um torpor de Coca
Acalma este ardor intenso

E esta Sede de liberdade,
Mas continuo sedento
Por dentro, a intranquilidade
Confesso-a ao vento leste, lesto…

E no pensamento viajo…viajo
E no cansaço eu repouso,
Apesar d’o chão ser rijo 
E distante da sede a agua e o poço,

A mudança das horas e dos dias
É uma penitência e um castigo,
Como se fossem estrangeiras,
As horas. O tempo cego

Está sempre presente, ausente o meu coração
Marujo sem porto, nem abrigo …
E no pensamento viaja a minha solidão,
Sem saber do torto vento que eu ainda persigo.

Jorge Santos (01/2012)

Ave do caniçal


Sigo com atenção todas as minhas estranhas sensações,
Algumas, como tortura docemente aceite...
Outras, como um novo dia, sempre diferente.
Todas as versões eu vejo de longe, mariposas gigantes

Como gestos quedando-se nas janelas
Sem continuação pra’lém delas.
Estou sem forças pra desertar pra’lém d’mim,
Pra dizer a verdade, só a opinião dos outros me faz f’liz

Por isso imito outras profissões do universo
Das quais não abdico se a elas tudo me prende como visco,
Como uma ave que se balouça, mansa no caniço,
Sem ter pr’onde migrar, por ser já demasiado tarde…

Jorge Santos (01/2012)



No bater d'asas d'uma simples borboleta


Quando me envolvo na fractal distância,
Comovo-me como uma borboleta,

Que duvida de si própria;
Sinto-me envolvido
D’uma forma total, embora sem peso
E me lembro d’outra realidade

Que antes não era tão real.
Imagino-me alternando entre neve e incógnita
E o acaso depois governa no cair
O meu ser solvente.

Termino numa terra distante, em tarde branda,
Tento ignorar a presença aleatória
Da consciência;
Perdida que foi a Memoria da névoa.

Farei um poema quando nada restar de seu,
Num universo convicto,
Sem a emoção nem o claro segredo,
Mas cuja realidade revestida, lembrará um luminoso céu.

Quando me libertar, envolver-me-á numa nitidez,
Sem corpo nem espírito
E sossegará o movimento do universo
Com o bater d’asas d’uma simples borboleta…

Jorge Santos (12/2011)

Tenho saudades do que me lembro



Tenho saudades de quase tudo,
Sobretudo do que não esqueci,
Tenho saudades de querer morrer por ti,
E por ti morreria mesmo, de amor,

Tenho saudades do que não li,
Por falta de tempo e não só,
Mas tenho saudades de tudo,
O que ainda me lembro,

Tenho saudades de escutar o vento,
Em tardes de ventania,
Tenho saudades de estar perdido,
E nem saber rezar uma “ave-maria”

Tenho saudades de me encantar,
Em tudo o quanto sonhava,
E do tempo que perdi sem apreciar,
Os serões em que o tempo não contava,

Tenho saudades de jogar ao pião,
Do alarido da rapaziada, da porrada,
Tenho saudades do “tudo ou nada”,
Quando soube ser na esquerda o coração.

Tenho saudades das noites sem dormir
Em que acariciava, na imaginação,
O cheiro que eu supunha ser teu, ou do jardim,  
(Repeti vezes sem conta aquela declaração)

Mudava de opinião com um estalar de dedos,
Fazia “trinta por uma linha”, desde rasgar o guião
E com raiva, escalar longínquos penedos,
(Nem sei se pela altura, ou por mera paixão…)

Tenho saudade de ser tabela sem cesto,
Mas campeão em consciência, desde o berço,
Mesmo no que escrevo, ainda insisto,
Nesta paixão louca que não esqueci

…e que jamais esqueço…

Jorge Santos (11/2011)

E depois não digam que era tudo mentira



Não me digam depois que foi tudo mentira…
Pra dizer a verdade cá estarei eu, um qualquer fulano
Investido em funâmbulo de feira
Tão real como a eira onde é espancado o feno

Tal como outros, trago um fardo num ombro
Com o peso da nação e n’outro o qu’ela m’isenta
De ilusão e no destruído escombro
Que do meu coração resta, a pouca fé cinzenta.

Não me digam depois que foi tudo mentira…
Porque aqui d’onde sou se desespera com a negação
Regurgitada do reino bera d’outra era.
Tal como outros, amputarei da alma a fé… na razão.

E depois não digam, que era tudo mentira…

Jorge Santos (11/2011)

Quase Parte Natural de Mim



Quase parece um não viver,
Por viver dum outro modo,
De quem passa lado a lado
Com a vida sem a ela se submeter

Quase parece uma aurora breve
Aquele acordar que ainda ontem tive
Tão perto estive de ser quem nela vive
Que nenhuma outra manhã me serve

Sem aquela visão que se tem do imenso cedo
Mas que acaba breve (afinal como tudo)
Como se fosse num parque natural de mim…
Sei que não posso viver assim,

Mas não quero viver d’outro modo,
Que não seja intenso, embora estranho,
Pra quem vive do pouco sonho,
E vive uma meia vida, a medo.

Quase parece um não viver,
Assim …colado no longe, tentando ver
Prá’ lém do que se diz por aí, ser o fim…
Mas que move a parte mais natural de mim.

Jorge Santos (10/2011)

Preso ao destino



 E tudo volta ao que era, sem nada que acontecesse.
A tarde calma, a eterna calma de que se adormece
Na suposta impressão de quem nada sente,
O grão de pó que pousa na estrada de terra, inerte,

A miragem do que de real existe, indefinida como sempre,
A lua cheia que aparece e depois desaparece indiferente;
-Não viesse o amanhã, eu seria imponderável no que sinto,
Como se uma descoberta nova, fosse o pensamento

E, se sei que existe uma razão para tudo o que acontece,
Até mesmo na inacção ou na vontade presa ao destino
Ainda viajaria de vida em vida, fiel a uma incompleta prece.
“E tudo volta ao que era…” tudo se repete no sonho…

(Na tarde calma, na eterna calma de que se adormece.)

Jorge Santos (09/2011)

O que fazes do teu tempo ?


No  fim do arvoredo e do tempo,
Não temas anjo negro ou cisne
Branco, ouve apenas o canto da alma,
Em que te enredas, fantasia

E brinca de dia ou de noite
Com o que te cerca, como queiras…
Em prováveis ou incertos caminhos.
Deles jorram milhares de grãos de areia

Em enormes mãos de vento.
Os ramos de veludo
Acariciam-te o pensamento,
Mas não saberás jamais o que dizem

E porque se demoram tanto
Na tua face, por todo o teu corpo,
Vestido apenas de tempo,
E por fim… indiferente a sorte,

Como um atleta acabado.
No fim de tudo,
É o desejo de alcançar algo
Que define na alma o teu caminho

Do ser (e o que fazer do teu tempo)
Tudo o resto será couto vedado
Ou simplesmente ficará por achar,
Como um livro fechado…ignorado.

Jorge Santos (08/2011)
Http://joel-matos.blogspot.com

Coração peregrino



Neste mundo com ódios, fronteiras,
E guerreiros a soldo,
Só o horizonte me sarava as feridas,
Por entre os azuis e o prado

E ao tocar nos silêncios e saliências  
De corredores e templos de lajes lúgubres,
Preenchia pequenas vielas,
Das sensações de anónimas aves.

O que tornava, nesse tempo, um seixo perfeito
Era olhando dentro, como quem contempla
E ouvindo atento com o peito,
O vento que vinha de lá…lá

Do fundo da vista, do sem-fim
De um tempo, que nem é de cá.
(Juro por Deus e por ti -em tudo o que vi
Viverei, desde qu’aqui dentro o não esqueça)

Neste mundo com fronteiras
Que vão desd’a íris na direcção
D’onde todas as sensações são estrangeiras,
Continua caminhando o meu coração.

Jorge Santos (07/2011)

Meu país breve


Vago sussurro me leva,
Através deste breve país,
Que nem me louva,
Nem me indulta, como juiz,

Mas condena à tristeza,
Como sentença do que não fiz,
(Valia mais cear com o demo à mesa,
Tão bastardo como estas leis).

Breve sussurro me leve,
D’outra e outra vez,
Breve e branco como neve,
Pisada por meus pés,

No silencio de quem não me ouve,
No rumor débil que hasteio,
Ao ouvido de quem não me vê,
E ao meu olhar raro e alheio.

Vago sussurro me leve,
Nas vagas leves, nas marés
Do destino que m’envolve,
De heróis e almirantes.

E assim vogo entre desencantos,
Amores e saudades d’antes,
De migrados nostálgicos,
E exilados, outrora senhores,

De terras e campos.
Breve sussurro me leve,
Ao régio do que fomos,
Nas penas da mais famosa ave,

À  herança que perdi
E á memória d’elefante,
Tudo o que era antes, eu esqueci,
Excepto que não sou, de todo, inocente.

Jorge Santos (05/2011)

A sensação de ter vivido devagar


Não tenho da banal pressa nem sequer o vagar
Nem quem se ofereça pra falar por falar
Não sou de conversa “fiada”ou ocasional
E nem por nada me considero pessoa “normal”

(Quero lá eu saber o que isso é!)
Diziam-me que, “seria o que eu quisesse!”
Nem me lembro de ter esperança, nem quando era criança
E diziam no jogo do berlinde “marralhas pr’ás meças...”

Se nem pr’ás “moças”era “o primeiro que se namora”,
Invisível até para a professora,
Enchia a sala de aula de fedor ao vulgar, ao pobre...
E de gargalhada geral, daquela que açoita e fere.

Era anti-social e desconfiado, um fósforo apagado
Num espaço exíguo dobrado sobre si mesmo, ouvindo
O terrível silêncio no latejar das minhas veias.
E o que faço eu desta profissão de ideias?   

-Evoco o que esqueci, como um vómito seco,
Ou talvez a conversa calada em que me fico,
Não tenha pressa de mais nada,
Talvez nem conheça a sensação de ter vida,

Tal como a conheço agora…

Jorge Santos (05/2011)

tradutor

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