Sombras no nevoeiro...


(Sombras no nevoeiro)

Sinto que sou um poeta falhado,
E escrever tornou-se uma tarefa
Balofa, à qual me não dou de todo,
Sinto um receio que m’atabafa,

No que digo, como se fosse eu, Rossio
De vão d’escada, fico-me p’las deixas,
Bem lá no meio duma seara de joio,
Aonde se não diferença vultos e névoa.

Não espero troco nem pago de saldo,
Justo por algo que não tem pra’mim custa
Nem apego, julgo que me sinto dividido,
Entre o que digo e o que dizer me basta,

É como é, o reverso e a medalha,
De um lado, vem algo inscrito,
E do outro nada que o valha,
Apenas o dom e o dia de morto.

Sinto que sou um poeta falhado,
Por todas as razões e d’outras,
Apregoo estas de telhado em telhado,
Mas confesso-me cansado d’inventar desculpas,

Pois nem tenho assim tanto de escritor,
Como um louco
Tem, do cajado dum actor,
Ser o seu sólido especo…


Jorge santos (01/2013)

O que é emoção e o que o não é...



Nada mais me provoca emoção, cansei-me da vida que levo,
O fardo que carrego é uma âncora, assim como outra tralha,
Que não se vê mas sente-se, como um estorvo…
Esta vida ausente, este navegar à tona, sem escotilha…

E a gente vulgar que germina onde sente que há bolor,
Mas o pior é quando o céu se tinge de igual cor
E não me deixa ter noção do que há nas flores,
Nos lagos, nas montanhas e bosques com espaços interiores…

Ah,… os poentes que dão vontade de beber de um fôlego,
A sensação e o gozo ao penetrar um corpo de mulher,
A chuva branda, caindo em cordel e a lembrança que albergo,
Do fogo crepitado da lareira, amadorrando o crer…

De tudo isso abdiquei eu, da subversão, do voo,
De exércitos de estrelas suspendidas, dos prados parados
Saindo dos rios e dos peixes, vestidos de quem sou…
Nada mais me suscita a vertigem dos passados tempos,

Assim uma espécie de faina mas com os barcos presos
No cais, visitando ilha após ilha, maré após maré,
Até que a última estrela caia do horizonte leitoso
E eu não precise mais apartar do que é emoção, o que não é…

Jorge Santos (01/2013)

Jardim de Inverno...


Nesse impossível jardim,  
Sujeito á plácida meditação
E ao querubim do suicídio,
A vista, sem demorar nos frutos,

Perde-se da noção de pressa,
E a sensação de me perder de mim próprio…
Cabra-cega da tristeza,
Vibração do meu peito herbário…

Que se passa em mim,
Que continuo ansioso por atenção,
Nesse impossível jardim,
De Platão nesse mesmo chão, de Adão…

Que se passa em mim,
Arredo entre o medo e o termo
Guardado do princípio ao fim,
Pl’o destino, que me concebeu tão ermo,

Tão delido na rua, sinónimo
Do medo que me adula,
Caminho no parque até ao cimo,
Depois atiro-me a voar qual rola,

Rente…rente ao chão.
Feliz jardim em clausura
Era, gasto verão,
Ou invernia em haste pura.

Nesse impossível jardim de inverno,
Perdi mais de uma vez a razão…

Jorge Santos (01/2013)

Tarde é...e ser também...


Pra’quê o tempo,
Pra’quê a urgência,
E a viagem que o vento
Tem de fazer,
E a que o tempo,
Tem feito, solto

Se o que tarda,
É um comboio,
De carga,
Não se atrasasse,
Não teria fingido,
Viajar, o vento…

Não se lembrasse,
Não teria contado um conto,
O certo, era nem ter
Visto o tempo sonhar,
Um comboio,
De brincar…

E pra quê o tempo,
Se nem tempo tem o vento,
De vir ter comigo, pra dançar…
Todo o resto,
Me segue,
Sem sentimento,

E o sentimento,
Sem sentido,
Vou seguindo,
Sem sentir
Que sou fingido…
Eu também…

Vai fugindo,
O chão que piso,
A luz que não tenho,
Pra quê o tempo,
Pra quê…
Se tarde é… e ser também.

Jorge Santos (01/2013)

Quem irá recordar-se de mim ...quem ?

                                        


Quem irá recordar-se de nós,
A quem não bate certo, o coração,
A razão e não sei que mais. De nós,
A quem de condição, foi bera e peão

Da’brega, do marrar em tudo, por um nada,
De Estoirarmos, como fogo-d’artifício breve,
Nós, os campeões em levar porrada,
Os Blasfemos de Jové, da noite, da “rave”,

Sem dormir “por nada”, porque os nossos sonhos,
Ou são de raiva ou viram angústias e manhãs d’azia,
Se nem sequer temos os sonhos que queremos,
Fantasiamos, os d’outros como nossa parede meia.

Quem irá recordar-se de nós,
Como somos, sendo nós a escala e o tempo,
Condensamos seculos e heras em cenas e segundos,
Condenados somos, como gentios do ghetto

Em noites de cristal e palácios do fim,      
Há em tudo o que fazemos, despropósito e algo que define
A ração do incomum, uma revolução inédita dita jasmim,
Um mundo inteiro em lume e a mnemónica que nos une,

A dor que sentimos ao descrever o vazio e o horror
Que nos banha e afoga de desesperança
E nos céus noturnos questionamos o Divino Amor
Do santo-espírito-da sumida-esperança
  

Quem irá recordar-se de nós assim…quem? 
Quem irá recordar-se de mim…quem?

Jorge Santos (01/2013)

No cabo dos mitos...


No cabo dos mitos,
Onde as brumas moram,
As ilusões voaram em farrapos,
E as mágoas ficaram,

No cabo dos muitos,
Os negros penedos não são d’agora,
São tão antigos, tão antigos,
Como quem lá ficou e chora.

No cabo dos medos,
Onde este país se afoga,
Os magros abalam todos,
O que ficou, chora e roga

Aos medos com que o enganam.
-Não lhes contassem das lendas
E dos mares que heróis trilharam,
Espelham nos rostos misérias inglórias,

No cabo dos magros trabalhos,
Lá,onde os déspotas governam,
Foi imposta
Chacina, aos que habitam.

No cabo das tormentas,
As ilusões fundaram,
Este Portugal de lendas…
Lamento os que o afundam,

No mar de todos os degredos,
Gloriosos os que aqui  ainda vivem,
E morrem  presos
P'lo cabo dos dedos e p'los cabelos...


Jorge Santos (01/2013)
(VIVA PORTUGAL)

Barca de volta e Ida...


A minha ida é feita num barco,
Sem uma única onda lavrando a quilha.
Afeito à vida, virada de borco,
Já nem ardor tem, a minha trilha…

O mar que é branco, quebrado
No silêncio que dista d’ilha em ilha,
Será a Visão do oco medo?
Num barquito sem quilha !?

Tod’o ego meu, eu renego
E inclusive me narro e ressalvo,
-Nau sem vida, náufrago
Cansado, fadiga de ser’inda, salvo

Por si mesmo, d’si próprio,
Náufrago sem quilha,
Nau sem vida, nem barc’a sério
Mas que sempre, sempre me auxilia,

Sem saber, aonde acaba o dia ou me leva,
Nesta viagem de volta e ida,
-É o movimento ondeante da onda barca
Na cresta da onda partida,

Que mede a medida da minha nau e avança,
Abranda a luz do dia…
Então aceito que tudo aconteça,
(E confesso um laivo, não de ira, mas de alegria)

Jorge Santos (12/2012)

Se soubesse que morria amanhã...


Se soubesse que morria amanhã,
Punha na cara, a máscara da verdade,
Que ainda lembro a pouca que tinha
Ontem, por acaso, ao cair da tarde,

Renunciava no futuro,
A ter d’orar a alguém.  
E a solidão seria como um tesouro.
Sem m’importar do desdém,  

Por me sentar, na multidão,  
Estando em vão, no meio deles.
Encher-me-ia de amor sem conclusão
E do coração suave das aves.

Pagaria qualquer preço,
Para sentir fundo, o suspiro último,
Esse que, sem parecer, aqui vos ofereço,
Depois; calmo, abalaria esvaecido em fumo…

Jorge Santos (21/12/2012)

Dizia eu, no outro dia...


Dizia eu, no outro dia,
Que meus rostos todos, não sou eu,
Mas antes o momento relembrado,
D’uma esperança que no corpo guardo.

Digo hoje em dia eu,
A propósito de lembrança
Que não há dia nenhum, que não Peça
De volta a esperança de quem a perdeu,

Nalgum recanto de si.
Dizia eu, outro dia,
Quando não era assim
Tão invernoso o dia,

O tempo e a alma tão fria,
Que estranhos eram, pra mim, os outros
Mas não eu.(pois não me via...)
A propósito de gestos,

Dizia-me eu, n’outro dia,
Invisível ao resto
Do mundo,
Bastava um gesto

E pronto…
Quando acordava
Eu era um outro
Ou simplesmente eu…

Dizia eu…um dia,
Sair vencedor de tudo,
Mas o vencido fui eu,
Que não lembro no futuro

O que disse outro dia...


Jorge Santos (12 /2012)

A maneira de me sentir vivo...


Á minha maneira, estar sozinho
É escutar a noite vasta
Como pardal sem nicho,
Aguardando a tua volta.

Á minha maneira, tud’o que existe
Dentro do teu olhar me faz falta
E me deixa doente
De claridade tanta.

Á minha maneira, levo-te céus
Á espera que os preenchas,
Com os dedos teus
E cheiro de rosas nossas

Á minha maneira, a medida exata
Do tempo são nossos corações a bater,
De Igual, até à fatal data,
Em que o primeiro de nós, morrer…


A minha maneira,
Parecendo afastada,
É sincera
E ardente, Parecendo apagada…

Mas, a minha maneira
De t’amar tem de ser revogada,
Se depois de deitar tudo por terra,
Tento salvar tu’alma afogada.

Se é a maneira de me sentir vivo,
Que tu ocupas plenamente…
Eu, sem ti, sou uma linha desenfiada...

Jorge Santos (11/2012)

Ou o mau barbeiro casado com a tesoura...




Criei um beco e multipliquei por três o incómodo
Vivo das expressões mais básicas do pensamento
E a renúncia não é mais que um omnipresente fardo.
Desloco-me constantemente ao quadrado, consinto

O exílio dentro destas quatro paredes. A súplica
Não é mais temível que a incerteza de um caco
Em voltar a ser vasilha ou calçada pública;
Consequentemente não reajo e aqui me fico,

Inconsciente ao facto de haver real vida lá fora.
Tenho um hábito que se pode considerar prazer,
Fingir não haver hoje, nem aqui nem agora,
Cansei-me de tudo, até de não entender

O gesto automático e uso a função de negar a tesoura
Como uma figura de estilo do que não quero ser,
Um lugar fracassado no deve e haver,
Ou o mau barbeiro casado com a censura. 

Jorge Santos (2012/11)

O infinito pode nem ser leal...



Amo o poente e o anoitecer, por não ver utilidade
Na noite velada pois em todas morro um pouco.
Amo o mito por ter rejeitado a verdade 
Como a água rejeitou o arrabalde árido e seco.

A luz ambígua do inverno vem sempre aliciar-me
Quando assoma, parece falsa, fictícia…sem importância.  
Mesmo fechando os olhos como que me consome e delicia
Como aconteceu ontem no areal da praia enorme,

(inda nem lhe dei nome , nem sei porque lá me demoro eu.)
Quando escuto com atenção o luar, soa-me uma melodia
Que me enche de inspiração e logo se preenche o céu
De lucidez, mas a minha estranha alma permanece vazia

(Parece um sol-pôr empunhado p’lo facho do tempo)
E crê enfim em quase tudo, até nos poentes gastos em que m’evado
E neste feudo d’alva espuma em rio estreito, encarnando
Num rosto vulgar a consciência dum tolo,

Sugiro vária vias a planos que depois não têm saída,
Para mim o sentido da vida é não ter de todo, complô comum
Entre o que aceito no fim da tarde e a palestra adiada:
-O infinito pode nem ser leal (um pouco como cada um)


Jorge Santos (Outubro 2012)
http://joel-matos.blogspot.com

O estado e a matéria...


Apaguei o tom de magia e talvez dom do bom senso
Quando vi todos os doutos, acotovelados na dorna d’uma má atriz..
Açoitado p’lo juíz, fiz figura do criado coxo de laço no pescoço,
Quando tentei subir ao palanque, surgiu a tal mesma variz

Do tempo ao qual fui colado, esguia e inchada… ao cair quase me ouço
Girar no fundo do poço, tão fundo ele soa e o som se escoa
Como se fosse areia fina numa cuba de zinco,
Fria como cota de aço, e sem os louros da grei por coroa.

Sinto-me tão realizado com uma embriaguez tal como do fracasso
Do qual não recobro. Estou acorrentado a um tal estado, bem enterrado na terra.
E retomo da morte, repleto de enxertias sonhadas nesta vida bera.
Entre o que sonhei e onde estou, perdeu-se a noção íntima de tempo e espaço,

Bem podia o jardim do éden ser no quintal da frente
Que aos meus olhos seria tão longe como o fim do vasto horizonte
Essa é uma das razões porque não espreito pelos buracos no muro,
O medo de me lembrarem águas passadas escombros do futuro…

Jorge Santos  (08/2012)
http://joel-matos.blogspot.com

Nas orações dos Homens de Jerusalém...




Uma noite fabricou Salomão um palácio
Resplandecente e em segredo.
Fez-se por todo o império
Silêncio e desde logo cedo

Ninguém teve alívio;
Até nos séculos vindouros,
Não mais nasceria ali, um veio
De água ou desaguaria nos rios,

Nada mais senão sangue e guerra.
Uma noite fabricou Salomão um palácio
E a dor nunca mais foi doutra era,
Menos estrangeiro ficou o receio,

De ser feliz naquela amarga terra.
Uma noite fabricou Salomão um palácio,
E tal foi o peso da bera amargura,  
Que ainda hoje têm um vazio,

As orações dos Homens em Jerusalém…

Jorge Santos (05/2012)

tradutor

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