O dia em que decidi morrer.





Hoje decidi que quero morrer,
Curioso é nunca ter pensado antes nisso,
Mas a vida tornou-se uma sala de estar, sem cor
E o privilégio que dela se deve possuir, não o sinto.

Tenho na alma uma sensação de descompromisso,
Como se viver fosse o corredor da morte e o estar preso
E pra’lém disso, tudo fosse sossego e calma,
Mutilantes as lembranças acaso cortassem.,

Os crepúsculos, (essência distante
Do que ficou para trás), não passam disso, ilusões…
O vazio constante que se acumula, onisciente,
Ingrato, incógnito, que faz desistir o querer.

Sim, só hoje decidi que quero morrer,
Por isso falo com saudade dos céus roxos,
Da sala estreita, onde vago, meu lirismo
Vagueia, cheio do que pode fazer lembrar, o doer.

Quantas vezes o sol-se-pôr no meu sonhar veio,
Quantas vezes comecei um sonhar p’lo meio,
Quantas vezes convenci a consciência que era tudo real
Por isso hoje decidi morrer de morte natural.









Jorge Santos (01/2013)

Estátuas de cal-viva.




A palidez excessiva
É o que torna perpétuas
As estátuas de cal-viva
E tristes as madrugadas,

O que posso dizer,
Dos donos das heras,
Devorados p’la larva pária,
Da honra de não morrer.

-Como querendo não querer-
Assim escrevo…
Por impulso, duvidoso                                                      
Do paradigma que sou,

Assumo o meu ser
Inacabado,
Celebro o que falta
Dizer sem dizer,

Oxalá o dia
Acabasse manhã cedo,
Para que pare o querer
Libertar-me
Do tributo
Que presto ao pensar,

Acordar de novo,
Não sendo servo do que escrevo,
Aonde não houvesse chão,
Num colchão de ar,
(Se de poesia fosse feito)

Mas só estou triste
Numa face,
A outra não resiste
À cal e perece,
Consciente, esquecida.


Jorge Santos (01/2013)

Poeta acerca...




Pra’lém do que há, o mais certo é não haver
Mais nada a juntar ao que já existe…
Ideia absurda - a realidade ser equidistante,
Da visão dum louco, quanto do meu ver.

Em encontros casuais com a realidade,
Parecemos formar um par perfeito,
Funcional, diria até, um casal de respeito,
Que acaba discutindo como qualquer outro.

Coloquemos, entre quatro paredes, sem ar,
O quadro a óleo, de uma pintora morta, praticamente famosa…
Continuará abstrato, na anónima estrutura do pretenso lar,
Como uma peça morta, do que se pensa ser- A NATUREZA-

Assim somos, eu e a realidade, descremo-nos,
Mas procuramo-nos mutuamente, nos pensamentos
Um do outro, ansiosos, como tudo enquanto espera.
Apenas não creio que seja efetivamente verdadeira

Ou quem diz ser, estando eu um passo distante dela.
Pra’lém do que há, haverá sempre, uma versão outra
Do real, escarrapachada nos céus, feita linha ou tela
E um poeta acerca, que no fundo, tudo o resto ignora.


Jorge Santos (01/2013)

Quase toco naquilo que penso.



Quase toco naquilo que penso,
Mas se penso na verdade que me toca,
Nem toco aonde acaso eu penso,
Nem penso aquilo qu’inda me toca.
                                                      

O facto de quase me sentir pensar,
Não acalma nem apresa,
A pressa da alma em se dar,
E ninguém conduz com tanta pressa,


Como o pensamento a est’ alma,
Com o dever sem sentido do sentir
Consentido, sentir o longe perto…
Sentir lá fora, o mundo d’outra forma,


Em todos os números-primos da dor intensa
E o conteúdo do sentir insatisfeito,
Quase tocando, aquilo que o cerca e causa
E nos materiais de que o pensar é feito,


Quais largados, em contramão no drama,
De gente, que sente como quem se não tolera,
À falta de se duvidar, em dor e chama,
Em parte igual dele e deste clã na Terra.


Quase sinto aversão áquilo que sinto,
Conquanto toque no que sonho, em vão
Ou não…nunca percebi o quanto
Da razão dista o desacato neste coração.



Jorge Santos (01/2014)

Bebo o fel do próprio diabo até...




Parece que da minha alma não vem conciliação,
Entre o comando seu e o incumprimento meu,
Estranha alfaia, trago eu, a modos de coração,
-Triste, pois não chove, infeliz porque choveu.

Não sei se sou eu, que trago a alma enganada,
Ou o erro deste coração seja, dele se pensar meu,
Tal como o menino, que a mãe julga móbil seu,
E depois apartado dela, por cuja saldaria ele a vida.

Não é uma dor qualquer, aquela que sinto no peito,
Distinta de não saber, o que se quer, mas o porquê,
Assim como que equacionando, se o que vê
P’lo olho esquerdo tem parecenças no direito.

Parece que da minha alma não vem conciliação,
Entre a primavera que vi, e o inverno que desejo, (por tudo)
Além do que da dor consinto e da vacuidade do vão,
Assim vai de erro em erro, meu surdo coração… batendo,

Batendo, batendo… em celebração do dia de fecho,
-Espécie de adufe, em mundana procissão de fé.
Não sei se sou eu, que vendo a posse da alma num texto,
Ou se, quando escrevo, bebo o fel do próprio diabo até…


Jorge Santos (12/2013)

EMBRIAGUEM-SE...



Embriagara     Embriaguem-se, de orgulho puro, da quilha à proa, de estandartes retalhados
Embriaguem-se de verbos duros , como se fossem mortalhas de curtumes,
Embriaguem-se lá fora, no beco, na rua, embriaguem-se… “porra”,
Embriaguem-se com a alegria, das crianças, mesmo sem côdea e sem tecto,

Embriaguem-se e, se porventura pensarem perder–se da razão
Embriaguem-se repetidamente até que de novo se encontrem , nos olhos chãos,
Dos inocentes, nos bairros pobres ou dos lunáticos e utópicos.
Embriaguem-se da vergonha vesga e da solidão, dos nossos subúrbios cercos,

Nos Ghettos da gentalha, nas mantas dos sem-abrigo, aos milhões,
Embriaguem-se, em noites de estrelas roxas e ideais barbudos.
Incendiai, segai pavios, dai às mãos dos gentios, a metralha,
Embriagai-vos de liberdade e que as vossas mães derrotadas jamais sejam violadas,

Nos trabalhos mal pagos, nos degraus dos parlamentos e das opressões,
Nas arcadas dos ministérios, das esquadras, dos grilhões
E das algemas, encerrem as masmorras com as pedras arrancadas na calçada.
Embriaguem-se, contra as governações, testas de ferro

Dos saqueadores e da corrupção, da escuridão e do medo,
Contra os ferozes e os algozes de serviço, dos gordos coronéis,
Destes reinos beras de genocidas a soldo, bem mais que os cruéis,
D’outrora, embriaguem-se e cantem, excluídos e esfolados,

D’agora, cantem sem descanso, até caírem pro lado,
Enquanto bebem, o vício de serem livres, em lugar de acossados,
Por crime d’ajuntamento, até caírem os ferrolhos e as paredes dos cruéis,
Dos bancos, com capitéis d’ouro e caixas fortes, dele acumulado,

Quando acordarem, por fim, os perros dos arrecadadores, será tarde
A bebedeira será global  e... transmissível,...soará a corneta
Dum tempo novo, fundado plos bêbedos, deste mundo esguelha.

Pois que vertam, sangue e vinho, na sarjeta e no soalho nobre, do rico...
Embriaguem-se Porra…EMBRIAGUEM-SE ...

Jorge Santos (12/2013)

-e o sonho ter-me-á sonhado -



             Com a noite, tudo fica calmo, (e frio)
Foge a consciência, do sítio
Definido, p’lo dia pleno.

Soubesse eu, trancar o encanto
Em mim, por de dentro
E suspender o fio

Que divide a noite e o dia,
Em termo,
E mito…

Com a noite, tudo fica calmo e fixo,
Indefinido o real,
E o que posso não explicar,

Nem ver.
Soubesse eu, soltar o encanto
De verdade e sentir,

De mil maneiras,
O ar espesso,
De vales arestes e íngremes ladeiras,

Nas manhãs lavadas,
Renunciaria ao feitiço,
Das trevas,

Feiticeiras ou fadas…
Soubesse eu, d’mil maneiras,
Sentir tudo, sem sentir nada,

Sonharia de dia,
Pois sendo noite cerrada,
-O sonho ter-me-á sonhado-

(Com a noite tudo fica calmo)

Jorge Santos (12/2013

Hoje mudei...


Hoje mudei
Do mercado pra baixa,
Mudei a subtileza
Dos gerúndios
E me surpreendi.

Mudei nas frases
Que estafei de graça
E por mau hábito,
Hoje sou outro,
O tipo

Que volta da praça,
Com flores espontâneas
Num caixote
Sempre Aberto,
Em ti…

Hoje passei por mim
E mudei por ti…

Hoje…
Mudei do mercado pra baixa.

Jorge Santos (09/2013)

Não sei se meu...ou Dele.


Pudesse eu, daqui en'diante,
Fitar-me, frente a frente 
E reconhecer quem sou.

Semelhante a quem ?
Ao Demo ou a um  santo crente?

Estou louco, é evidente,
Mas quão louco é que estou?

É por ser mais poeta
Que gente, que sou louco?

Ou é por ter completa,
A noção de ter tão pouco de gente?

Não sei, mas sinto morto
O ser vivo em que me prendo,

Nasci como um aborto,
Salvo na hora e no tamanho.

Tenho dias de desejar, 
Em que tento fugir e me prendo,
Devagar, por debaixo, da baixa porta,

Não aprendo com os erros,

Tenho tantos... 

E outros em que fujo,
Muitos em que finjo aprender,
Pra, por fim, me perder,
Nem longos nem curvos, na distância
De um eco.

Farto de fingir vitória.

Tenho dias murchos,
Nem distos nem curtos,
Preso às rochas,
Como as cordas na garganta.

Cujos em que escrevo, não pra mim,
Mas pra outros, tampouco,

Tenho dias de deixar passar
O que sinto,
Em que não creio, 
No muito que a mim.. minto,

Tenho dias lisos e frios, 
Como o fio da derrota,
E um sonho urgente,suspenso
No mito que em mim crio, 


"Não será errado desejar ser gente" 
Mas é todavia erro, 
Não desejar ser, o que mais importa,

-Gente como outra qualquer, gente
Que passa sem se fazer notar,
à minha humilde e modesta porta...

(nem sei se eu ou outrem 
o escreveu ma,s se não for meu, sinto-o 
tão como se meu fosse...)

Jorge Santos

Não me peçam para escrever...


Não me peçam os mesmos discursos maduros
Se tudo o que mais quero são silêncios
Translúcidos e puros, todavia mais duros
Que insultos e tão suaves, tão sóbrios…

Tão líquidos, quanto sublime e belo
Há, no nascimento excessivo de um dia.
Não trago novidades ao colo, nem arquivos nos olhos,
(porque razão as traria?) nem choro, de lasciva alegria,

Descontente dos sonhos, que em mim s’impregnam
Sem os conseguir ver…
Não me peçam, não me peçam
O sol se o que quero é… só chover.

Jorge Santos (Julho 2013)

O risco


É um risco, por onde vou, decerto
Não preciso ir, mas alma bravia e cigana
Não tem estadia certa, quer chão
Duro como almofada e sem fronha,

Brando, o corpo, sem dúvida (decerto)
O pó da estrada o tornará bruto
E deserto, tal qual aragem seca do bocejo
De equilibrista antes de cair morto

No chão. É um risco, por onde vou,
Decerto vou encontrar das mesmas
Estrelas com que povoo a imaginação
E os povos das fábulas e das lendas…

Se esperares por mim, voltarei,
Com todos os sonhos, num saco gordo
Dessas estrelas, com que eles se fabricam,
Noutro mundo.


Jorge Santos (05/2013)

Quando me deito...


Quando me deito, é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo,
Escrevo poesia pra não esquecer de pensar,
Como se fosse este, dum outro,

O pensamento. Esqueceria o eu, de qualquer modo.
Se escrevo de dia é pra não esquecer
Coisas que esqueceria
Doutro modo, sendo noite,

Poder-me-ão,
Roubar deitado

Deitando-me, eu morro um pouco,
Porque dormir é não pensar,
Deitado roubo do sonho o pensar
Come se fosse o pensar d’outro

Quando me deito é uma traição
Que faz a mim mesmo, o corpo.

Jorge Santos (04/2013)

Poema da linha do horizonte.




Poema da linha do Horizonte.


Entre o aonde e o perto, decerto
Escolho o longe e o beijo do deserto
Distante, Homérico…
Por ser mais incerto se me perder

Pressuposto é…
Poder ver de-lá, o sol-posto,
O céu cor de escarlate e bege,
O beijo do sol-poente
E as montanhas de fogo
Estenderem-se p’lo horizonte,
Pungente de leite-creme e nata.

Prendo a amplitude d’um folego,
Não vá desaparecer de repente,
O ilógico e frágil,
Encanto, 
Um mágico com estandarte
D'invólucro, de fractal silêncio,
Envolve-me a razão,
Como um feliz queixume…
…A-céu-aberto

Será caso pra que se não erre nós, caminhos
E cruzamentos, assim como
Se  não erra, nos sinónimos
Da palavra te-amo,

-Amo o longe e o pra’onde
-Amo o incerto e o lugarejo
E que o vento, me convide
Pra um pais longínquo,
Aonde ande o descalço,
O mago e o beijo do horizonte.


Jorge Santos (03/2103)

Homília ao silêncio...


Homilia do silêncio


Perguntei ao silêncio porque  se iludia de sigilo,
Repetiu-me do exílio a censura e o vácuo,
Pousando os tentáculos à volta do espólio
Do meu peito, interrogando-por quem eu sou?

Perguntei ao silêncio onde jaziam as palavras
Dele, compareceu-me o nada e o esquecimento
Com a ousadia pouca, das coisas profanas e avaras,
Mirando-me com um esgar de contrafeito.

Perguntei ao silêncio, o significado de contradição,
Retorquiu um eco árido e oco como piras a arder,
-Porque levava eu de dentro, tamanha danação,
E coisa alguma num taleigo, impossível d’apegar.

Perguntei ao silêncio, se alguém me ouviria, pra’lém
Do fim, respondeu-me a morte, na esquina da sala,
-Completa a vida tua e amaina a miragem,
Essa que alguns pensam ter da lucidez o saldo…

Perguntei ao silêncio o cargo que ocupava, na suprema
Escala humana e não obtive resposta alguma…



Jorge Santos (03/2013)

tradutor

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